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domingo, 11 de março de 2012

Noite Infernal


            A Cidade dos Anjos ardia em pecados. O vapor quente, que parecia brotar das calçadas, ruas e avenidas, estagnara-se no ambiente, tornando-o abafado. Ninguém conseguia dormir, todos com as almas em chamas. As chamas do inferno que, nessa noite, queimavam e se alastravam nos pobres corações dos pecadores de LA.
            A inquietação aumentava, e nem mesmo as pessoas mais santas conseguiam ficar deitadas em suas camas. O suor escorria por seus rostos e molhava seus pijamas e lençóis. Os poucos santos tentavam rezar para afastar as tentações, mas a maioria sentia o chamado do inferno, não resistindo e se juntando na dança frenética dos pecadores ao diabo.
            Megan abriu a janela do quarto e respirou fundo. Seus cabelos grudavam na pele através do suor e sua boca estava seca. Ela esperou que a brisa da madrugada atingisse sua pele e refrescasse seu corpo, mas tudo o que conseguiu sentir foi o ar quente e seco parado a sua volta, envolvendo-a estranhamente.
            Ela se virou lentamente e deu uns passos na direção da porta, mas parou no meio do quarto e fitou a cama. Lembrou-se das mãos dele percorrendo o corpo dela, dos olhares apaixonados, dos sorrisos carinhosos, da voz rouca dele sussurrando “eu te amo”. Nesse momento, Megan sentiu as bochechas quentes.
            Ela precisou virar o rosto para conter a fúria que essas imagens desencadeavam. Fitou a faca e a cruz que ela havia deixado em cima da mesa e seus olhos brilharam quando ela pegou as duas, uma em cada mão. Não podia suportar a lembrança do seu namorado dizendo aquelas três palavras com todo aquele amor para uma mulher que não fosse ela, ainda mais na sua cama.
XXXX
            Megan usou as chaves que tinha para destrancar a porta do apartamento dele, girou a maçaneta, e avançou silenciosamente pela sala mal iluminada. Parou um pouco e observou de longe a silhueta dele na varanda. Apenas uma sombra, um vulto. Aquele não era o seu Justin, ele agora era um estranho para ela.
            Deu mais alguns passos até parar atrás dele. Sentiu a faca pesar em sua mão. Por um segundo passou em sua mente as imagens dos dois juntos, nos seus melhores momentos. Mas logo em seguida essas imagens foram apagadas pela lembrança das cenas no seu próprio quarto. Ele e a amante, nus, os toques, os olhares, o ‘eu te amo’. Então um pensamento devolveu a ela a segurança que faltava: ele havia talhado uma ferida enorme no coração dela, e merecia receber a mesma coisa em troca.
            Ergueu a faca até a altura da cabeça, a lâmina fria refletindo a luz da lua daquela estranha noite de Los Angeles. Tudo ocorreu em segundos. Justin se virou e a lâmina atravessou seu peito esquerdo. Foi tudo silencioso, ele não teve tempo de soltar o grito que ficou preso em sua garganta. A última cena que Megan registrou foi o olhar apavorado e confuso que ele lhe lançara. Depois disso, ela virou as costas e saiu, levando consigo a faca suja de sangue e a cruz.
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            A corrente com a cruz pendia do seu pescoço enquanto corria, balançando e batendo em seu peito, deixando sua marca. Era como fogo queimando, lambendo sua pele com as chamas da culpa.
            A cidade permanecia na penumbra. Era como se aquela noite nunca fosse ter um fim. À medida que Megan se afastava das luzes da cidade, sua imagem ia se perdendo no escuro, até que só era visível seu vulto se afastando, com os cabelos que chegavam à cintura cobrindo grande parte do seu rosto.
            Ela só parou de correr quando chegou à capela abandonada que havia a alguns metros fora da estrada e encontrou-se segura em frente ao altar.
            Ajoelhou-se, segurando a cruz com força, até sentir que era impossível apertar mais. Manteve os olhos baixos, até que ouviu os passos de alguém se aproximando.
­            _ Tudo bem senhorita?
            Só agora Megan percebeu que ainda tinha a faca nas mãos. Deixou-a cair, e o objeto perdeu-se nas sombras da capela. Ela se levantou, ainda sem olhar para o rapaz que havia chegado, e manteve-se no mesmo lugar, onde a capela era mais escura.
            _ Sim, eu estou bem. Quem é você?
            _ Sou Matt. Eu estudo no seminário que fica há poucos quilômetros daqui. Costumo vir para essa igrejinha quando estou nervoso ou triste... Noite estranha essa, não?
            Megan deu alguns passos e parou em um lugar um pouco mais iluminado pelo luar.
            _ Nossa, o que houve com sua mão? _ disse Matt, se aproximando um pouco.
            Ela olhou para a mão que estivera segurando a faca e viu que estava suja de sangue. Começou a falar, tomando cuidado para não olhar nos olhos do jovem seminarista.
            _ Eu preciso me confessar. Foi esse cara... Ele partiu meu coração em dois, então eu tive que...
            Megan parou de falar quando olhou nos olhos de Matt. Doces olhos azuis. Onde ela havia visto olhos tão lindos quanto esses? Ela voltou a sentir o corpo queimando, mas dessa vez não era culpa.
            Matt continuou olhando para aquela estranha mulher, e só agora ele percebeu o quanto ela era bonita. Não era uma beleza qualquer, despertara algo nele. Os dois jovens sentiram a mudança no ambiente à medida que a temperatura aumentava e suas respirações se aceleravam.
            _ Nada. Não foi nada. Vamos sair daqui, esse altar me dá arrepios.
            Ao dizer isso, Megan lançou um último olhar ao rapaz e saiu logo em seguida para os fundos da capela onde, antigamente, se encontrava a sacristia. Não precisava se confessar ainda. Não se o que ia fazer agora também era pecado, talvez até maior. Ela não precisou olhar para trás para saber que Matt a seguiu. Nem mesmo um estudante de seminário como ele poderia resistir à tentação de um convite do próprio demônio. 

Inspirado na música Goin' Down - The Pretty Reckless

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