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segunda-feira, 7 de junho de 2010

Trevas


A neve ia se acumulando lentamente lá fora. As ruas estavam desertas. Até mesmo a floresta paralisara. Toda a cidade hibernava, enquanto meu coração lutava para manter-me viva, com suas fracas batidas irregulares. O dia era cinzento e a noite tomava, cedo demais, tudo à vista, mergulhando casas e árvores numa treva imensa, sem luar, sem estrelas. Apenas a triste escuridão que me tomava e arrancava-me duramente a pequena esperança que eu, erradamente, deixava nascer toda manhã. Estúpida. Eu sabia que, toda vez, ao cair da noite, a esperança que pairava sobre mim durante as poucas horas do dia seria esmagada pela enorme solidão que me levava, lentamente, às ruínas. Mesmo assim, continuava cometendo o mesmo erro. E a cada noite que chegava a destruição no meu interior era ainda maior. Esmagada. Meu corpo mal funcionava juntando as migalhas deixadas. Mas meu coração teimava em continuar batendo. Mesmo machucado. Mesmo despedaçado. Ele ignorava minha vontade e prosseguia com as batidas surdas. Eu vivia. E a cada segundo que passava eu desejava mais intensamente arrancar esse coração idiota que tomava as piores decisões por mim, arrancar a fonte de todo esse sofrimento: esse coração que se apaixonou sem minha permissão. E depois de me ver livre dessa ferida no peito, eu poderia simplesmente congelar ou petrificar para sempre, feliz por não poder sentir mais nada. Nem a agonia nem o desespero que me invadiam com as trevas. Eu me veria livre desse inferno que me atormentava. Mas morrer seria fácil demais. E eu não merecia o final feliz. Teria que continuar aqui, viva, com esse ingrato coração que me fazia sofrer cada dia mais.

2 comentários:

Rosaura Sousa disse...

Extremamente profundo.Parabéns.Vc é ótima.

Clarisse disse...

Muito obrigada Rosaura!

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